Tutti Frutti Uma "noitada de curtição" nos anos 1980
Morro da
Urca
28/3/1981
Numa quente noite de sábado, o Tutti
Frutti veio ao Rio de Janeiro para tocar no ‘Noites Cariocas’, em pleno
Morro da Urca. O local era o point do momento, já tendo feito
fama com o nome de ‘Concha Verde’. A bela casa de espetáculos era
totalmente ao ar livre. Um palco com boa boca de cena, uma pista livre com
capacidade para algumas centenas de esqueletos e as arquibancadas em forma
de concha acústica. As novas bandas de rock, bem como os “medalhões” da
MPB se acotovelavam para subir no bondinho e apresentar seus shows lá em
cima.
Por volta das 21 horas, o som começava a rolar
nas caixas, sob o comando de Don Pepe (se não me falha a memória),
trazendo as grandes novidades do pop-rock mundial. Não havia nenhuma
repressão, muitas moitas, árvores e escurinhos para azaração e “cachimbos
da paz”. Sem falar na vista deslumbrante do Rio de Janeiro, numa época em
que se podia sair à noite sem medo de assaltos ou pitt-boys.
Acompanhando a carreira de Carlini e
Simbas desde meados dos anos 1970, subi o morro com meu fiel mini-gravador
cassete, para imortalizar mais uma “noite de som e curtição”. O show do
Tutti Frutti foi dividido em duas partes de mais ou menos meia hora cada.
Pontualmente às 23h o grupo surgiu no palco. Carlini empunhava sua Gibson
Les Paul dourada, velha de guerra, responsável por solos memoráveis
durante a década de 1970. O guitarra-ritmo Ronaldo Paschoa trouxe uma
Epiphone Casino Sunburst, com ponte trapézio, idêntica a usada por John
Lennon de 1966 até 1968, quando raspou a pintura. O baixista Renato
Figueiredo veio com um Fender Precision.Simbas chamava atenção por causa
do macacão que usava. Marinho Thomaz com um kit simples, se não me engano
da Pearl, com dois tons e cinco pratos, fora o contratempo.
Eis o set-list:
Primeira parte: 23h – 23h30
Casa na Fazenda
Classe
Média
Dançar É O Melhor Remédio
Oh! Suzete
Sgt. Peper’s Lonely Hearts Club Band
Magical Mystery Tour
O
Bom
Tango do Bacamarte
Rua Augusta
Festa de Arromba
She Don’t Lie (Cocaine)
Que Loucura
Posicionei-me mais para o lado
esquerdo do palco, na primeira fila, captando com maior intensidade o
baixo, a guitarra ritmo e a bateria. O Tutti começou o show apresentando
músicas do LP ‘Você Sabe Qual O Melhor Remédio’, que estava com vendas
apenas razoáveis. Logo na primeira música pode-se sentir que o grupo
estava bastante coeso e ensaiado. Ronaldo abusava dos harmônicos,
colorindo a marcação. Carlini já dizia ao que veio, com belos solos. Na
segunda, o baixo de Renato fez bela presença, destacando-se logo de
início. Os vocais de Simbas estavam perfeitos. Eles emendavam as músicas
sem nenhuma apresentação ou bate-papo com a platéia. Na terceira, entra em
cena um naipe de metais, para deixar os arranjos o mais perto possível do
vinil.
Quando Marinho começou a marcação de ‘Oh!
Suzete’, a galera delirou! A música estava no primeiro compacto do grupo e
era um hit entre os amantes do bom rock and roll da Pompéia. Carlini arrasou, fazendo um solo inspiradíssimo. Nesta música os metais
atrapalharam um pouco.
Clique para ouvir Oh! Suzete
Em seguida veio o "medley" de 'Beatles' que logo vai emendar com uma “viagem ao rock
brasileiro”, visitando a Jovem Guarda com ‘O Bom’, ‘Rua Augusta’ e ‘Festa
de Arromba’. O problema foi que, com as brincadeiras vocais de Simbas no
final de ‘O Bom’, o grupo emendou primeiro ‘Tango do Bacamarte’, a música
censurada, que destoou das demais. Talvez o ‘Bom’ tenha querido usar seu
“bacamarte”. A performance de ‘Rua Augusta’ foi irretocável. ‘Festa de
Arromba’ teve sua letra “gentil e ironicamente” modificada, para retratar
as histórias da banda da Paulicéia desvairada. Muito apropriadamente a
música “deságua” em ‘She Don’t Lie’ (com o exótico refrão de “quero mais,
quero mais, quero mais... cocaine!”).
Clique para ouvir Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band / Magical Mystery Tour / O Bom
A primeira parte está chegando ao fim.
Em ‘Que Loucura’, Carlini está “elétrico”, solando para todos os lados,
superando em muito os registros em vinil com Rita Lee e com o novo Tutti
Frutti. Marinho fez um inspirado solo de bateria, contando com a
participação “woodstockiana” da platéia. Simbas se despede com um “daqui a
pouco a gente volta”.
Clique para ouvir Que Loucura
O som volta a sair pelas caixas do DJ,
e é hora de uma cerva, um vento e uma paisagem revigorantes.
Segunda Parte: 0h – 0h35
Ilusão e Brisa
Agora Só
Falta Você
O Pecado Mora Ao Lado
Expresso
2222
Mamãe Natureza
Barra Lúcifer
Como Vovó Já Dizia
Al
Capone
Jack O Estripador
Hey Amigo
Bixo da
Seda
Jogue Tudo Para Cabeça
O Rapé
O Contrário de Nada É Nada
Minha Fama de Mau
Quase fui pego de surpresa, pois o
grupo começou a tocar sem que as cortinas fossem abertas. Desta vez
coloquei-me à direita do palco, bem em frente ao Carlini, pois ouvi a
primeira parte e vi que sua guitarra estava muito no fundo. Um belo solo
de talk-box coloriu ‘Ilusão e Brisa’, hit do LP. De repente, o grupo grita
a abertura de ‘When I Get Home’, dos Beatles e emenda “um belo dia resolvi
mudar”, levando a massa ao delírio. Era ‘Agora Só Falta Você’, hit maior
de Rita e Carlini, no distante ano de 1975. Carlini mostrou porque seu
nome está escrito na galeria dos guitar-heroes brasileiros, com um
solo magistral, inspirado e muito bem executado, superando o registro em
vinil, que já era antológico. Nesta hora meu lado fã falou mais alto e
aproximei o gravador ao máximo da guitarra, quase raspando nas
cordas.
Clique para ouvir Agora Só Falta Você
O grupo retorna à história do rock brasileiro,
agora passeando pelos anos 70. Riffs tropicalistas (Gil e Novos Baianos),
lisérgicos (Raul Seixas) e roqueiros (Bixo da Seda, Made in Brazil, Terço,
Joelho de Porco, Casa das Máquinas e Mutantes), levaram a platéia ao
cansaço total, de tanto pular e agitar.
Clique para ouvir Hey Amigo
O Tutti Frutti apresentava um show perfeito, onde a maioria do material original não
ficava devendo nada aos clássicos do rock nacional. Apenas algumas letras
eram mais “fraquinhas”. Porém, a performance de Carlini e sua turma
apagava os erros e destacava os acertos. Mais um solo de talk-box (‘O Contrário...’),
evidenciava a técnica do guitarrista.
.
O show encerra com ‘Minha Fama de Mau’,
quando finalmente Simbas conversa com a platéia, agradece nominalmente aos
técnicos e roadies, prometendo voltar em maio.